Ave, Palavra

Acalme-se, leitor e venha comigo. Essa chamada é a de uma simples escritora que deseja discutir questões de leitura.

Sei que esse tema traz nervosismo pelo fato de tantos rótulos que você carrega: o leitor lê mal, o jovem não gosta de ler. Afinal, após tantas constatações, que soluções apontam as pesquisas?

Sei, também, que ainda é muito jovem e, como tal, traz em si o desejo de busca e desvelamento de verdades. Estou com você!

Decida, pois, se este é o melhor momento para adentrar o texto e refletir sobre tantas dores. Não quero magoá-lo. É apenas um convite! Você deverá assumir uma atitude imprescindível: a de calma, a fim de podermos entrar no âmago dessa análise.

Será isso tudo utopia de uma escritora? Se a utopia é deslocar-se para um lugar ideal, é para lá que eu vou. Entretanto, volto à realidade. A partir dela, reconheço a dureza do cotidiano, o desgaste das relações, o desprezo por valores como generosidade, solidariedade e doação.

É deste lugar real que falo com você. Estou calma e aguardo você compactuar com minhas ideias, mesmo sabendo que estamos tensos, violentos, empedernidos.

Permita-me voltar mais um vez. Agora, no tempo. Vejo você, menino, mochila nas costas, merenda na mão, vontade no peito: ler.

Lá dentro, você decifra letras e sílabas amontoadas em frases soltas. Sem sentido. Bá-bé-bi-bo-bu. E só o que você precisa fazer. Não faça perguntas, você não entenderia mesmo. Mudo, verificando respostas prontas, você cresce. Lê, olhos tristes, os textos da escola – pouco criativos e “ditadores” de verdade.

A sua inquietude e o desejo de revelar-se não contam. Abafam-nos com a arrogância das verdades e você faz o que? Tenta descobrir, desfazer o bordado do orgulho escrito, transformando em textos para tirar somente uma nota: 1, 2, 3, 4…

Afinal, quem é você? Há muitos exercícios para repetir, vários vestibulares para se inscrecer.

Na vida, ah, a vida – como é bela! Encharcam seus olhos com imagens coloridas, luminosas. E você lê. Entende perfeitamente as mensagens. Seduz-se pelas campanhas publicitárias. Lê todos os *outdoors” .Mesma imagens e legendas – conhece o mundo. Navega. Vai aos lugares mais distantes e volta: “por que naum? Você lê!”

Posso afirmar que, no cotidiano, estamos envolvidos com tantas outras linguagens – uma sedução visual – tão rápidas, entorpecentes, que nos fazem querer a palavra.

Percebo agora a pretensão deste texto: atrair o leitor para pontos de extrema importância e… será que me fiz arrogante?

Desfaça isso, mergulhe no texto, na palavra. Destrance a trama tecida por mim e você encontrará ternura. É isso que desejo! O seu encontro com a ternura utópica na tentativa de iluminar a palavra. Engrandecê-la. Trazer para o texto a doce sedução do ver. Fique comigo. Leia-me na magnitude da humildade da pessoa humana que não quer ser eterna – posto que não é.

A humildade e docura precisam ser ditas para que a palavra possa ser trocada. A arrogância afasta, formaliza e ninguém deseja algo formalizado. O jogo de sedução da palavra é poder compor, recompor significados inimagináveis, infinitamente.

Um mundo de abelhas, melhor dizendo, um enxame de abelhas. Ávidos na boca de entendimento, de mel. Querem mel. Néctar. Sabor. Doçura. Seria essa mesmo a busca do leitor? Mel, saber, informação.

Leitura é aproximação. Drummond diz que o “sentido das coisas mora longe, O leitor está nessa busca. Dali até aqui, bem próximo; na interação homen-mundo – palavra. Ave, palavra!

Texto publicado no livro: O Papel do Livro na Cultura Brasileira – Coletânea de trabalhos premiados no concurso de redação para professores. Academia Brasileira de Letras,

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